sábado, 26 de janeiro de 2008

Victor Hugo


Desejo primeiro que você ame,

E que amando, também seja amado.

E que se não for, seja breve em esquecer.

E que esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo, pois, que não seja assim,

Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,

Que mesmo maus e inconseqüentes,

Sejam corajosos e fiéis,

E que pelo menos num deles

Você possa confiar sem duvidar.

E porque a vida é assim,

Desejo ainda que você tenha inimigos.

Nem muitos, nem poucos

,Mas na medida exata para que, algumas vezes,

Você se interpele a respeito

De suas próprias certezas.

E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo

,Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,

Mas não insubstituível.

E que nos maus momentos,

Quando não restar mais nada,

Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,

Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,

Mas com os que erram muito e irremediavelmente,


E que fazendo bom uso dessa tolerância,

Você sirva de exemplo aos outros

.Desejo que você, sendo jovem,

Não amadureça depressa demais,

E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer

E que sendo velho, não se dedique ao desespero

.Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e

É preciso deixar que eles escorram por entre nós

.Desejo por sinal que você seja triste,

Não o ano todo, mas apenas um dia.

Mas que nesse dia descubra

Que o riso diário é bom,

O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,

Com o máximo de urgência,

Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,

Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,

Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro

Erguer triunfante o seu canto matina

lPorque, assim, você sesentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,

Por mais minúscula que seja,

E acompanhe o seu crescimento,

Para que você saiba de quantasMuitas vidas é feita uma árvore

.Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,

Porque é preciso ser prático.

Eque pelo menos uma vez por ano

Coloque um pouco dele

Na sua frente e diga `Isso é meu`,

Só para que fique bem claro quem é o dono dequem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,

Por ele e por você

,Mas que se morrer, você possa chorar

Sem se lamentar esofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,

Tenha uma boa mulher,

E que sendo mulher,

Tenha um bom homem

Eque se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,

E quando estiverem exaustos e sorridentes,

Ainda haja amor para recomeçar.

E se tudo isso acontecer,

Não tenho mais nada a te desejar

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Bocage


Soneto do epitáfio
Lá quando em mim perder a humanidade
Mas umdaqueles,que não fazem falta,
Verbi-gratia_oteólago,o peralta,
Algum duque ou marquês,ou conde,ou frade:
Não quero funeral comunidade,
Que engrole"sub venites"em voz alta;
Pingados gatarrõaes,gente de malta
Eu também vos dispenso a caridade;
Mas ferrugenta enxada idosa,
Sepulcro me cavar em ermo outreiro;
Livrai me epitáfio mão piedosa;
"Aqui dorme Bocage o putanheiro
Passou vida folgada e milagrosa;
Comeu ,bebeu fodeu sem ter dinheiro"

Almeida Garrett

Poema
Eu disse a Deus_Que importa

Eu disse a Deus _Que importa
Senhor a tua glória
que sobre mim se feche a eterna porta
do túmulo,e não tique mais memória
desde vermede um dia na terra que o sumia?

Não foi teu braço forte
que do seio do nada
tirou a vida e mandou logo a morte
para trazer eterno equilibrado
entre o ser e não ser
nossa força e poder?

Escrito nas estrelas,
clamados pelos ventos/
bradado pelos mares nas procelas
no céu, na terra em imortais acentos.
Por toda parte está
o nome de jeová

Na imensa naturza
a voz do homem é nada.

(2 de Agosto de 1853)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Edgar Allan Poe


Poema O Corvo




Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.

E o rumor triste, vago, brando,
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto e: "Com efeito
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minhalma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora -
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta:
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta,
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é o seu nome: "Nunca mais."

No entanto, o Corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."

Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."

Assim, posto, devaneando,
Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?
"E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua,
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

E o Corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Paul Verlaine

Canção do outono

Os soluços graves
dos vilolinos suaves
do outono
ferem a minha alma
num langor de calma
e sono.

Sufocado em ânsia
Aí,quando à distância
soa a hora,
meu peito magnado
relembra o passado
e chora.

Daqui,da li,
pelo vento em atropelo
seguido.
vou de porta em porta
como a folha morta
batido...

Gothe


Nortino do Andarilho
Em todos os cumes:
sossego.
Em todas as copas
não sentes
um supro, quase.
Os passarinhos calam-se
na mata.
Paciência, logo
sossegarás também.

Junqueira Freire


Morte(Hora de delírio)


"Pensamento gentil de paz eterna,Amiga morte, vem. Tu és o termoDe dou fantasmas que a existência formam,- Dessa alma vã e desse corpo enfermo.


Pensamento gentil de paz eterna,Amiga morte, vem. Tu és o nada,Tu és a ausência das noções da vida.Do prazer que nos custa a dor passada.


Pensamento gentil de paz eterna,Amiga morte, vem. Tu és o nada,Tu és a ausência das noções da vida.Do prazer que nos custa a dor passada.


Nunca temi sua destra,Não sou o vulgo profano:Nunca pensei que teu braçoBrande um punhal sobr' humano.


Nunca julguei-te em meus sonhosUm esqueleto mirrado:Nunca dei-te, p' ra voares,Terrível ginete alado.


Nunca te dei uma foiceDura, fina e recurvada;Nunca chamei-te inimiga,Ímpia, cruel, ou culpada.


Amei-te sempre: - e pertencer-te queroPara sempre também, amiga morte.Quero o chão, quero a terra, - esse elementoQue não se sente dos vaivens da sorte.


Para tua hecatombe de um segundoNão falta alguém? - Preenche-a comigo.Leva-me à região da paz horrenda,Leva-me ao nada, leva-me contigo.


Fagundes Varela


Cântico do Calvário


À Memória de Meu Filho Morto a l l de Dezembro de 1863.

Eras na vida a pomba predileta Que sobre um mar de angústias conduzia O ramo da esperança. — Eras a estrela Que entre as névoas do inverno cintilava Apontando o caminho ao pegureiro. Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, — a inspiração, — a pátria, O porvir de teu pai! — Ah! no entanto, Pomba, — varou-te a flecha do destino! Astro, — engoliu-te o temporal do norte! Teto, caíste! — Crença, já não vives!

Correi, correi, oh! lágrimas saudosas, Legado acerbo da ventura extinta, Dúbios archotes que a tremer clareiam A lousa fria de um sonhar que é morto! Correi! Um dia vos verei mais belas Que os diamantes de Ofir e de Golgonda Fulgurar na coroa de martírios Que me circunda a fronte cismadora! São mortos para mim da noite os fachos, Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas, E à vossa luz caminharei nos ermos! Estrelas do sofrer, — gotas de mágoa, Brando orvalho do céu! — Sede benditas! Oh! filho de minh'alma! Última rosa Que neste solo ingrato vicejava! Minha esperança amargamente doce! Quando as garças vierem do ocidente Buscando um novo clima onde pousarem, Não mais te embalarei sobre os joelhos, Nem de teus olhos no cerúleo brilho Acharei um consolo a meus tormentos! Não mais invocarei a musa errante Nesses retiros onde cada folha Era um polido espelho de esmeralda Que refletia os fugitivos quadros Dos suspirados tempos que se foram! Não mais perdido em vaporosas cismas Escutarei ao pôr do sol, nas serras, Vibrar a trompa sonorosa e leda Do caçador que aos lares se recolhe!

Não mais! A areia tem corrido, e o livro De minha infanda história está completo! Pouco tenho de anciar! Um passo ainda E o fruto de meus dias, negro, podre, Do galho eivado rolará por terra! Ainda um treno, e o vendaval sem freio Ao soprar quebrará a última fibra Da lira infausta que nas mãos sustento! Tornei-me o eco das tristezas todas Que entre os homens achei! O lago escuro Onde ao clarão dos fogos da tormenta Miram-se as larvas fúnebres do estrago! Por toda a parte em que arrastei meu manto Deixei um traço fundo de agonias! ...

Oh! quantas horas não gastei, sentado Sobre as costas bravias do Oceano, Esperando que a vida se esvaísse Como um floco de espuma, ou como o friso Que deixa n'água o lenho do barqueiro! Quantos momentos de loucura e febre Não consumi perdido nos desertos, Escutando os rumores das florestas, E procurando nessas vozes torvas Distinguir o meu cântico de morte! Quantas noites de angústias e delírios Não velei, entre as sombras espreitando A passagem veloz do gênio horrendo Que o mundo abate ao galopar infrene Do selvagem corcel? ... E tudo embalde! A vida parecia ardente e douda Agarrar-se a meu ser! ... E tu tão jovem, Tão puro ainda, ainda n'alvorada, Ave banhada em mares de esperança,

Rosa em botão, crisálida entre luzes, Foste o escolhido na tremenda ceifa! Ah! quando a vez primeira em meus cabelos Senti bater teu hálito suave; Quando em meus braços te cerrei, ouvindo Pulsar-te o coração divino ainda; Quando fitei teus olhos sossegados, Abismos de inocência e de candura, E baixo e a medo murmurei: meu filho! Meu filho! frase imensa, inexplicável, Grata como o chorar de Madalena Aos pés do Redentor ... ah! pelas fibras Senti rugir o vento incendiado Desse amor infinito que eterniza O consórcio dos orbes que se enredam Dos mistérios do ser na teia augusta! Que prende o céu à terra e a terra aos anjos! Que se expande em torrentes inefáveis Do seio imaculado de Maria! Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem! E de meu erro a punição cruenta Na mesma glória que elevou-me aos astros, Chorando aos pés da cruz, hoje padeço!

O som da orquestra, o retumbar dos bronzes, A voz mentida de rafeiros bardos, Torpe alegria que circunda os berços Quando a opulência doura-lhes as bordas, Não te saudaram ao sorrir primeiro, Clícía mimosa rebentada à sombra! Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te, Tiveste mais que os príncipes da terra! Templos, altares de afeição sem termos! Mundos de sentimento e de magia! Cantos ditados pelo próprio Deus! Oh! quantos reis que a humanidade aviltam, E o gênio esmagam dos soberbos tronos, Trocariam a púrpura romana Por um verso, uma nota, um som apenas Dos fecundos poemas que inspiraste

Que belos sonhos! Que ilusões benditas! Do cantor infeliz lançaste à vida, Arco-íris de amor! Luz da aliança, Calma e fulgente em meio da tormenta! Do exílio escuro a cítara chorosa Surgiu de novo e às virações errantes Lançou dilúvios de harmonias! — O gozo Ao pranto sucedeu. As férreas horas Em desejos alados se mudaram. Noites fugiam, madrugadas vinham, Mas sepultado num prazer profundo Não te deixava o berço descuidoso, Nem de teu rosto meu olhar tirava, Nem de outros sonhos que dos teus vivia!

Como eras lindo! Nas rosadas faces Tinhas ainda o tépido vestígio Dos beijos divinais, — nos olhos langues Brilhava o brando raio que acendera A bênção do Senhor quando o deixaste! Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos, Filhos do éter e da luz, voavam, Riam-se alegres, das caçoilas níveas Celeste aroma te vertendo ao corpo! E eu dizia comigo: — teu destino Será mais belo que o cantar das fadas Que dançam no arrebol, — mais triunfante Que o sol nascente derribando ao nada Muralhas de negrume! ... Irás tão alto Como o pássaro-rei do Novo Mundo!

Ai! doudo sonho! ... Uma estação passou-se, E tantas glórias, tão risonhos planos Desfizeram-se em pó! O gênio escuro Abrasou com seu facho ensangüentado Meus soberbos castelos. A desgraça Sentou-se em meu solar, e a soberana Dos sinistros impérios de além-mundo Com seu dedo real selou-te a fronte! Inda te vejo pelas noites minhas, Em meus dias sem luz vejo-te ainda, Creio-te vivo, e morto te pranteio! ...

Ouço o tanger monótono dos sinos, E cada vibração contar parece As ilusões que murcham-se contigo! Escuto em meio de confusas vozes, Cheias de frases pueris, estultas, O linho mortuário que retalham Para envolver teu corpo! Vejo esparsas Saudades e perpétuas, — sinto o aroma Do incenso das igrejas, — ouço os cantos Dos ministros de Deus que me repetem Que não és mais da terra!... E choro embalde.

Mas não! Tu dormes no infinito seio Do Criador dos seres! Tu me falas Na voz dos ventos, no chorar das aves, Talvez das ondas no respiro flébil! Tu me contemplas lá do céu, quem sabe, No vulto solitário de uma estrela, E são teus raios que meu estro aquecem! Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho! Brilha e fulgura no azulado manto, Mas não te arrojes, lágrima da noite, Nas ondas nebulosas do ocidente! Brilha e fulgura! Quando a morte fria Sobre mim sacudir o pó das asas, Escada de Jacó serão teus raios Por onde asinha subirá minh'alma.

Casimiro de Abreu


Amor e Medo
Quando eu te vejo e me desvio cautoDa luz de fogo que te cerca, ó bela,Contigo dizes, suspirando amores:— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Como te enganas! meu amor, é chamaQue se alimenta no voraz segredo,E se te fujo é que te adoro louco...És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,Da luz, da sombra, do silêncio ou
vozes.Das folhas secas, do chorar das fontes,Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em doresA luz da aurora me enternece os seios,E ao vento fresco do cair cias tardes,Eu me estremece de cruéis receios.
É que esse vento que na várzea — ao longe,Do colmo o fumo caprichoso ondeia,Soprando um dia tornaria incêndioA chama viva que teu riso ateia!
Ai! se abrasado crepitasse o cedro,Cedendo ao raio que a tormenta envia:Diz: — que seria da plantinha humilde,Que à sombra dela tão feliz crescia?
A labareda que se enrosca ao troncoTorrara a planta qual queimara o galhoE a pobre nunca reviver pudera.Chovesse embora paternal orvalho!
Ai! se te visse no calor da sesta,A mão tremente no calor das tuas,Amarrotado o teu vestido branco,Soltos cabelos nas espáduas nuas!...
Ai! se eu te visse, Madalena pura,Sobre o veludo reclinada a meio,Olhos cerrados na volúpia doce,Os braços frouxos — palpitante o seio!...
Ai! se eu te visse em languidez sublime,Na face as rosas virginais do pejo,Trêmula a fala, a protestar baixinho...Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: — que seria da pureza de anjo,Das vestes alvas, do candor das asas?Tu te queimaras, a pisar descalça,Criança louca — sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!Ébrio e sedento na fugaz vertigem,Vil, machucara com meu dedo impuroAs pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos Toda a inocência que teu lábio encerra,E tu serias no lascivo abraço,Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois... desperta no febril delírio, — Olhos pisados — como um vão lamento,Tu perguntaras: que é da minha coroa?...Eu te diria: desfolhou-a o vento!...
Oh! não me chames coração de gelo!Bem vês: traí-me no fatal segredo.Se de ti fujo é que te adoro e muito!És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

Castro Alves




Poema

As duas ilhas

Quando à noite — às horas mortas —O silêncio e a solidão— Sob o dossel do infinito —Dormem do mar n'amplidão,Vê-se, por cima dos mares,Rasgando o teto dos aresDois gigantescos perfis...Olhando por sobre as vagas,Atentos, longínquas plagasAo clarear dos fuzis.

Quem os vê, olha espantadoE a sós murmura: "0 que é?Ai! que atalaias gigantes,São essas além de pé?!..."Adamastor de granitoCo'a testa roça o infinitoE a barba molha no mar;É de pedra a cabeleiraSacudind'a onda ligeiraFaz de medo recuar


São — dous marcos miliários,Que Deus nas ondas plantou. Dous rochedos, onde o mundo Dous Prometeus amarrou!... — Acolá... (Não tenhas medo!) É Santa Helena — o rochedo Desse Titã, que foi rei!... — Ali... (Não feches os olhos!...) Ali... aqueles abrolhosSão a ilha de Jersey!...

São eles — os dous gigantesNo século de pigmeus.São eles — que a majestadeArrancam da mão de Deus.— Este concentra na fronteMais astros — que o horizonte,Mais luz — do que o sol lançou!...— Aquele — na destra alçadaTraz segura sua espada— Cometa, que ao céu roubou!...

Dizem que, quando, alta noite, Dorme a terra — e vela Deus, As duas ilhas conversam Sem temor perante os céus. — Jersey curva sobre os mares À Santa Helena os pensares Segreda do velho Hugo... — E Santa Helena no entanto No Salgueiro enxuga o pranto E conta o que Ele falou...

Como vasta reticênciaSe estende o silêncio após...És muito pequena, ó França,P'ra conter estes heróis...Sim! que estes vultos augustosPara o leito de ProcustosMuito grandes Deus traçou...Basta os reis tremam de medoSe a sombra de algum rochedoSobre eles se projetou!...

Dizem que, quando, alta noite, Dorme a terra — e vela Deus, As duas ilhas conversam Sem temor perante os céus. — Jersey curva sobre os mares À Santa Helena os pensares Segreda do velho Hugo... — E Santa Helena no entanto No Salgueiro enxuga o pranto E conta o que Ele falou...

E olhando o presente infameClamam: "Da turba vulgarNós — infinitos de pedra —Nós havemo-los vingar!. . . "E do mar sobre as escumas,E do céu por sobre as brumas,Um ao outro dando a mão...Encaram a imensidadeBradando: "A Posteridade!..."Deus ri-se e diz: "Inda não

sábado, 19 de janeiro de 2008


Túmulo de Lord Byron,morto em Abril de 1824.após contrair uma misteriosa febre

Álvares de Azevedo

Poema
Se eu morresse amanhã

Se eu morresse amanhã víria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quante glória pressente em meu futuro!
Que a aurora de porvir e que amanhã!
Eu perderei chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol!Que céu azul!que doce n`alva
Acorda a natureza mais louca!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória,o dolorido ofã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

Lord Byron

O Oceano





Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola!Caminham dez mil frotas sobre ti, em vão;de ruínas o homem marca a terra, mas se evolana praia o seu domínio. Na úmida extensãosó tu causas naufrágios; não, da destruiçãofeita pelo homem sombra alguma se mantém,exceto se, gota de chuva, ele tambémse afunda a borbulhar com seu gemido,sem féretro, sem túmulo, desconhecido.

Do passo do há traços em teus caminhos,nem são presa teus campos. Ergues-te e o sacodesde ti; desprezas os poderes tão mesquinhosque usa para assolar a terra, já que podesde teu seio atirá-lo aos céus; assim o lançastremendo uivando em teus borrifos escarninhosrumo a seus deuses - nos quais firma as esperançasde achar um portou angra próxima, talvez - e o devolves á terra: - jaza aí, de vez.

Os armamentos que fulminam as muralhasdas cidades de pedra - e tremem as naçõesante eles, como os reis em suas capitais - ,os leviatãs de roble, cujas proporçõeslevam o seu criador de barro a se apontarcomo Senhor do Oceano e árbitro das batalhas,fundem-se todos nessas ondas tão fataispara a orgulhosa Armada ou para Trafalgar.

Tuas bordas são reinos, mas o tempo os traga:Grécia, Roma, Catargo, Assíria, onde é que estão?Quando outrora eram livres tu as devastavas,e tiranos copiaram-te, a partir de então;manda o estrangeiro em praias rudes ou escravas;reinos secaram-se em desertos, nesse espaço,mas tu não mudas, salvo no florear da vaga;em tua fronte azul o tempo não põe traço;como és agora, viu-te a aurora da criação

Tu, espelho glorioso, onde no temporalreflete sua imagem Deus onipotente;calmo ou convulso, quando há brisa ou vendaval,quer a gelar o polo, quer em cima ardentea ondear sombrio, - tu és sublime e sem final,cópia da eternidade, trono do Invisível;os monstros dos abismos nascem do teu lodo;insondável, sozinho avanças, és terrível.

Amei-te, Oceano! Em meus folguedos juvenisir levado em teu peito, como tua espuma,era um prazer; desde meus tempos infantisdivertir-me com as ondas dava-me alegria;quando, porém, ao refrescar-se o mar, algumade tuas vagas de causar pavor se erguia,sendo eu teu filho esse pavor me seduziae era agradável: nessas ondas eu confiavae, como agora, a tua juba eu alisava.