quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Casimiro de Abreu


Amor e Medo
Quando eu te vejo e me desvio cautoDa luz de fogo que te cerca, ó bela,Contigo dizes, suspirando amores:— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Como te enganas! meu amor, é chamaQue se alimenta no voraz segredo,E se te fujo é que te adoro louco...És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,Da luz, da sombra, do silêncio ou
vozes.Das folhas secas, do chorar das fontes,Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em doresA luz da aurora me enternece os seios,E ao vento fresco do cair cias tardes,Eu me estremece de cruéis receios.
É que esse vento que na várzea — ao longe,Do colmo o fumo caprichoso ondeia,Soprando um dia tornaria incêndioA chama viva que teu riso ateia!
Ai! se abrasado crepitasse o cedro,Cedendo ao raio que a tormenta envia:Diz: — que seria da plantinha humilde,Que à sombra dela tão feliz crescia?
A labareda que se enrosca ao troncoTorrara a planta qual queimara o galhoE a pobre nunca reviver pudera.Chovesse embora paternal orvalho!
Ai! se te visse no calor da sesta,A mão tremente no calor das tuas,Amarrotado o teu vestido branco,Soltos cabelos nas espáduas nuas!...
Ai! se eu te visse, Madalena pura,Sobre o veludo reclinada a meio,Olhos cerrados na volúpia doce,Os braços frouxos — palpitante o seio!...
Ai! se eu te visse em languidez sublime,Na face as rosas virginais do pejo,Trêmula a fala, a protestar baixinho...Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: — que seria da pureza de anjo,Das vestes alvas, do candor das asas?Tu te queimaras, a pisar descalça,Criança louca — sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!Ébrio e sedento na fugaz vertigem,Vil, machucara com meu dedo impuroAs pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos Toda a inocência que teu lábio encerra,E tu serias no lascivo abraço,Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois... desperta no febril delírio, — Olhos pisados — como um vão lamento,Tu perguntaras: que é da minha coroa?...Eu te diria: desfolhou-a o vento!...
Oh! não me chames coração de gelo!Bem vês: traí-me no fatal segredo.Se de ti fujo é que te adoro e muito!És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

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